Não é a primeira vez que eles chegam e ficam por longos dias em Rio Negrinho. Sim, há pouco mais de um mês os “índios” como são chamados, aportaram novamente na cidade, fazendo morada em um terreno anexo à àrea da Rodoviária.
Por eles passam dezenas de pessoas todos os dias e outras centenas podem encontrá-los nas imediações da BR 280, nas proximidades da Rodoviária e também nas ruas centrais da cidade aos finais de semana, vendendo os balaios, cestos e outros produtos artesanais que fabricam aqui mesmo.
Porém, apesar de “vistos” diariamente “por aí”, nem sempre são olhados de fato. Pelo modo que vivem nos barracos que improvisaram, são muitas vezes criticados.
Há quem acredite que “na cidade índio tem que viver como pessoa da cidade e não como índio”. Outros acham que eles “enfeiam” a entrada do município e há também quem ache que a administração pública deveria providenciar uma casa para ficarem.
Enfim, são muitas as opiniões e é difícil estabelecer quem está com a razão em um contexto tão amplo como esse.
Atenta a esta situação, a reportagem do Nossas Notícias dedicou um tempo para ouvir “os índios”. Afinal, em meio a tantas cogitações, pelo que se apurou, poucos já pararam para saber de fato quem são “os índios da rodoviária”.
Quem primeiro conversou conosco foi Diego Inácio, de 31 anos. Ele é casado com Mariana. Os dois são pais das pequenas Tainá e Caiane.
Diego Inácio,neste momento, reside com a família em um barraco provisório ao lado da Rodoviária
Diego contou que veio com a família para Rio Negrinho com o objetivo de vender seus artesanatos e também porque se sente confortável em Rio Negrinho.
“As pessoas nos trataram bem aqui. Elas não tem muito preconceito e tem até aquelas que vem nos ajudar, trazer alguma coisa. Para nós, tudo ajuda. Mesmo se for 1 kg de alimento é bem recebido de coração”, falou.
Diego disse que é natural de Nonoai (RS). Pertencente à tribo Kaykang, contou que mora em uma localidade formada por vários indígenas, que habitam o espaço em casas de madeira.
Toda sua família trabalha com a venda de artesanato, percorrendo diferentes cidades.
Os pais, até pouco tempo estavam em Canoinhas (SC) e agora retornaram para Rio Negrinho. Construíram um barraco ao lado do seu.
As acomodações em que vivem (ou seria sobrevivem?) estão longe de ser as ideias,mesmo analisadas a partir da própria visão da cultura indígena.
“Tem bastante mosquito e é frio para as crianças. Gostaríamos de morar em uma casa mas o que ganhamos com a venda do artesanato dá para a alimentação apenas. Só ficamos aqui porque não temos como pagar um aluguel”, esclareceu Diego.
Para produzir seu artesanato os índios também contam com o apoio da comunidade.
“Usamos bambu e taquara que pedimos para os vizinhos”.
Para dezembro eles já preparam várias peças e lembraram que também aceitam encomendas.
“Além dos cestos e balaios com tampo, vamos ter anjinhos, pinheirinhos e o que mais o pessoal pedir”.
E falando em pedidos, o da família de Diego é por muitas vendas.
“Pretendemos ficar em Rio Negrinho até janeiro mas se as vendas forem boas podemos ficar mais tempo”.
A reportagem perguntou para Diego qual é seu maior sonho. Depois de um longo silêncio e com os olhos cheios d’água, ele respondeu:
“Não sei…mas queria ter uma casa boa, uma ‘casa de branco’. Mas que dia isso vai chegar?”, questionou, sem esperança.
Outro sonho que cogitou, depois de outra reflexão, seria ser caminhoneiro.
“Porque caminhoneiro tem renda, salário,mas não fica num lugar só. É livre, como o indio”, desabafou.
Diante da realidade tão incerta e de sonhos que lhe parecem tão distantes, Diego comentou também sobre o que sonha para as pequenas Tainá e Caiane, que conforme ele passarão a frequentar a escola quando completarem 6 anos.
A sala da família é a Rodoviária, onde sempre que dá, Diego assiste TV com as filhas
“Eu quero que elas estudem e não sigam o mesmo nosso caminho”.
E falando em estudo, Diego, de acordo com o que revelou,não estudou tão pouco.
“Estudei até o primeiro ano do Ensino Médio. Depois parei porque não tinha como comprar os materiais. Alguns amigos ofereceram ajuda, mas não aceitei. É ruim depender dos outros”.
Ele acha que de modo geral cerca de 10% das pessoas não gostam dos indígenas.
“O índio é uma pessoa que trabalha todos os dias, que faz o seu artesanato e que é livre. Poucos conseguem ter um trabalho fixo, acho que isso já faz parte da nossa cultura. O indio é alguém que se coloca em qualquer lugar e acho que é isso que faz algumas pessoas não gostarem do índio”.
Para sobreviver no barraco ao lado da Rodoviária, Diego e sua família usam água da Rodoviária (carregam em baldes) e improvisaram um banheiro nos fundos do local.
Sem muitas perspectivas, vão vivendo um dia após o outro, trabalhando na torcida de boas vendas e um retorno mais feliz para Nonoai, de onde depois partirão para as vendas em várias cidades, num ciclo que se repetirá sem previsão de final.
E enquanto a hora da partida e da retomada não chegam pediram o apoio da comunidade, para que a luta pela sobrevivência não seja tão dura.
“Pedimos que o pessoal compre nossos produtos e que nos ajudem com cesta básica, roupas e calçados. Estamos precisando”.
Os pais de Diego chegaram de Canoinhas há pouco e montaram um barraco ao lado do seu
Familiares de Diego vendem artesanato no Centro da cidade aos finais de semana
O filtro dos sonhos é também o sonho de boas vendas e um futuro melhor. Ou seria um presente melhor?
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