RIO NEGRINHO. Uma perda que ninguém quer ter e uma dor que não tem como mensurar, nem como fazer outras pessoas entenderem. Esse é um pequeno resumo do drama vivido por Luana Aparecida Roberto de Moraes e Valdir Lopes de Moraes, pais de Davi Henrique de Moraes, que faleceu com oito meses de idade, no dia 26 de fevereiro deste 2021.
O menino morreu no Hospital Infantil Jeser Amarante Farias, em Joinville, mas a saga dele e da família começou em Rio Negrinho.
“Na terça-feira o levamos na mulher que cuidava dele e fomos trabalhar. Depois passei lá e trouxe o Davi para casa, ele estava normal. Só que na quarta ele amanheceu meio ruim, não queria mamar e depois teve febre e vômito”, contou o pai à reportagem do Nossas Notícias, que esteve na casa da família neste feriado (15).
Preocupada, a mãe contou que levou a criança no hospital, depois para atendimento médico no Siticom (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção e do Mobiliário) e novamente no hospital.
“Da primeira vez que levei ele no hospital, ele nem chegou a ser atendido. Daí, no sindicato o médico deu medicamentos e disse que se ele não melhorasse, era para o levarmos no pronto socorro”, explicou Luana.
E assim foi. Conforme os pais, como o menino não melhorou, eles resolveram levá-lo ao hospital pela segunda vez, já entre 19h30 e 20h do mesmo dia.
“Deram uma injeção nele e nos mandaram para casa. Eu fui dormir e quando era por volta de 22h30, 23h minha esposa começou a gritar e me acordou. Fui ver o que era e deparei com o Davi deitado, com a boca aberta, roxo, com os olhos e o corpo paralisados. Eu passava a mão na frente dos olhos dele e o menino nem piscava. Naquele exato momento corremos para o hospital novamente”, disse Valdir.
Lá, segundo os pais, a orientação foi a de que o menino ficasse em observação e que o estado em que ele estava era efeito da injeção que havia tomado.
“Mas diziam que ele já ia melhorar, que isso ia demorar umas oito ou nove horas para passar. Mas o Davi foi ficando cada vez mais roxo, com a boca seca. As enfermeiras tiveram bastante dificuldade para achar uma veia e colocar o soro nele. A boquinha dele ficou seca, parecia que tinham colocado açúcar dentro”, relembrou a mãe.
Conforme o casal, a criança ficou paralisada durante toda a madrugada e foi por volta das 09h30 do dia seguinte, após a troca das equipes de plantão, que o menino foi transferido para o Hospital Infantil em Joinville.
“Antes disso, eu pedi muitas vezes para transferirem ele e não me davam nenhum retorno”, disse Luana.
Segundo a mãe, antes da transferência do garoto e no primeiro atendimento no hospital, as enfermeiras disseram a ela que estavam conversando com o pediatra pelo telefone.
“Mas nunca falaram o nome dele. Minha mãe chegou a ir no hospital também e pediu para chamarem um pediatra, que a gente pagava a consulta. Teve uma enfermeira que riu da nossa cara ainda. Tudo o que diziam era que era só efeito da injeção”.
O casal disse ainda que foi quando houve a troca de plantão no início da manhã, que enfermeiras da outra equipe conseguiram achar uma veia na cabeça de Davi.
“Aplicaram uma injeção com uma espécie de soro, um remedinho e aí ele deu uma reavivada, parece que foi só para se despedir da gente. Ele deu um sorrisinho e se mexeu um pouquinho. Mas foi a última vez”.
Luana contou que quando os profissionais do hospital começaram as tratativas para transferir o menino para Joinville, ouviu uma enfermeira perguntar à equipe se a criança seria transportada pelos bombeiros ou SAMU.
“Uma outra disse que não era preciso pois não era situação de emergência. Daí chegou uma ‘ambulancinha normal’ e antiga para levar ele, tinha só oxigênio e nenhuma estrutura”.
Valdir foi acompanhando Davi na ambulância e segundo ele, uma técnica de enfermagem foi na parte de trás, com o menino, enquanto ele viajou ao lado do motorista.
“Não conseguia ver o que estava acontecendo com meu filho porque tem uma divisão na ambulância. Mas quando chegamos em Joinville, essa técnica de enfermagem estava bem assustada, contou que o menino tinha tido três paradas cardíacas no caminho e que a viagem tinha sido tensa”.
A chegada ao hospital também foi tensa, já sendo o menino recebido por vários profissionais do Hospital Infantil.
“Ele foi bem atendido, eram muitos profissionais no entorno dele, tudo muito rápido. Primeiro meu filho foi para a emergência e depois para a UTI. Me informaram que ele não estava legal e que precisavam esperar ele reagir aos medicamentos que haviam dado lá”.
Depois, conforme Valdir, ele foi chamado para conversar com três médicos, que lhe explicaram que o menino precisava passar por uma cirurgia.
“Precisei assinar uma autorização. Eles me informaram que o Davi não estava reagindo aos medicamentos e que a cirurgia era necessária para verificar o que de fato havia acontecido com o corpo do meu filho”.
Porém, os esforços não tiveram efeito e Davi acabou falecendo naquela madrugada.
“Ele faleceu na UTI. Quando cheguei no hospital ele já tinha falecido. Tinha outra criança perto dele e vi esse bebê mexendo a mãozinha. Por um instante, olhando de longe, achei que meu filho tinha ressuscitado. Meu coração chegou a disparar, até comentei com uma enfermeira e ela me consolou, explicando que era o outro bebê que tinha se mexido. Daí tiraram o Davi dali”, lamentou Valdir.
“Me falaram que estava todo infeccionado por dentro. No atestado de óbito a causa da morte foi septicemia, uma infecção que se espalha pelo corpo”.
A mãe reafirmou que no próprio hospital de Rio Negrinho, lhe falaram que a paralisia do Davi tinha sido causada pela injeção que havia tomado e tanto para ela quanto para o pai da criança, foi este medicamento que provocou a infecção e consequente morte do menino.
“Quando aplicaram a injeção nele em Rio Negrinho, eu estranhei, pois a seringa estava cheia e as enfermeiras do outro plantão disseram que era um pouquinho que deveria ter sido aplicado. Meu filho não tinha alergia a nenhum medicamento, nunca sofreu nenhum efeito das vacinas que tomou. Era uma criança muito saudável. Febre, vômito e diarréia não levam uma criança à morte de uma hora para outra”, alegou.
Os pais também disseram que no hospital em Rio Negrinho, enfermeiras chegaram a lhes falar que o menino estava passando mal porque “decerto na casa tinha muita sujeira e o piá estava com vermes ou uma bactéria muito forte”.
“Falei que podiam até vir aqui em casa ver, pois mantemos tudo sempre muito limpo”.
Eles também acreditam que antes de a injeção ter sido aplicada, o menino deveria ter passado por exames.
“Bem antigamente a gente ia no hospital e faziam exames. Hoje só dão remédio para dor na maioria das vezes. Sabemos que essa é uma situação que acontece com muitas pessoas, infelizmente”.
MENINO SAUDÁVEL
Luana e Valdir reforçaram que Davi foi sempre muito saudável.
“Até o pediatra que acompanhava ele nos disse que se for preciso, faz um documento atestando a saúde que o menino tinha. Ficamos muito chocados com o resultado do tratamento no hospital e por isso, logo depois que ele faleceu, procuramos um advogado que nos orientou a registrar um Boletim de Ocorrência na Delegacia. Conseguimos os prontuários, todos os papéis relativos ao atendimento e foi tudo entregue ao advogado, que está acompanhando o caso”.
TRISTEZA
Além de Davi, Luana e Valdir tem dois filhos, de 10 e 6 anos. Ela também está grávida, com quatro meses de gestação.
“O nosso filho mais velho me ajudava a cuidar do Davi. Com a morte do irmão, ele passou a ter dificuldade de dormir, precisou até ir no psicólogo e nós também fomos. Às vezes acordamos de noite e começamos a lembrar dele … É uma dor muito grande, a gente vai levando a vida, mas não esquece, não passa essa dor. Ele dormia conosco e depois que morreu, até trocamos de quarto”.
A DENÚNCIA
O casal falou que decidiu fazer a denúncia na busca por justiça à vida do filho.
“Confiamos nos profissionais do hospital de Rio Negrinho para atender o nosso filho. No hospital de Joinville, as enfermeiras disseram que se tivessem levado ele antes, teriam tido mais chance de reverter o quadro. Mas aqui no hospital de Rio Negrinho tudo o que eu ouvia era ‘vai dar tudo certo’. A psicóloga dizia, todo mundo dizia! Até hoje odeio essa frase e digo mais: quando vi eles levando meu filho para dentro da ambulância senti que não ia teria mais ele vivo”.
TRÊS MÉDICOS FORAM INDICIADOS POR HOMICÍDIO CULPOLSO APÓS INVESTIGAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL
No dia 8 deste mês a Polícia Civil de Rio Negrinho concluiu inquérito policial instaurado em fevereiro deste ano, que investigava a morte de Davi.
Conforme foi apurado, a criança, após apresentar febre, vômito, diarreia e desidratação, foi levada à Fundação Hospitalar de Rio Negrinho por três vezes, sendo que nesta última, acabou sendo encaminhada à UTI de Joinville diante da gravidade da situação.
Foram ouvidos diversos profissionais do hospital, testemunhas e o genitor da criança, bem com juntados documentos e prontuários, além de laudo pericial do IGP. O laudo apontou que houve incapacidade técnica dos profissionais no atendimento, falta de solicitação de exames ou avaliação, além de transporte incompatível diante da gravidade do quadro clínico (falta de UTI móvel com acompanhamento médico).
Segundo o perito, “o atendimento prestado foi omisso, caracterizado pela inércia, passividade e descaso em face da gravidade da situação”.
Desta forma, foram indiciados três médicos da Fundação Hospitalar de Rio Negrinho pelo crime de homicídio culposo, sendo o inquérito policial encaminhado à justiça local, além de cópia à direção da FHRN e ao Conselho Regional de Medicina, para as medidas que entenderem necessárias.
O QUE DIZ O HOSPITAL
A direção da Fundação Hospitalar de Rio Negrinho informou primeiramente no dia 8 de novembro, que ainda não havia recebido documentos oficiais acerca da ocorrência e que por isso não se pronunciaria naquele momento.
No início da manhã do dia 11, o presidente da Fundação Hospitalar, Antônio Gomes Filho, confirmou ao Nossas Notícias que uma cópia do inquérito já havia sido recebida pela equipe.
Segundo ele, o material começou a ser minuciosamente analisado e assim que todas as informações forem checadas, a FHRN fará um novo pronunciamento a respeito do caso.