Kelen Sbolli é adestradora profissional de cães. Proprietária da Vita Canis, atende em Curitiba (PR) e Rio Negrinho (SC). Escreve para o Nossas Notícias todos os domingos. Contatos com a colunista podem ser feitos pelo 41 9.99972754 ou pelo zsbolli@yahoo.com.br *************************************** CÃO DOMINANTE É MITO. Cão dominante. Cão alfa. Líder da matilha. Estes conceitos fazem parte de uma teoria já ultrapassada. Desde 2007 cientistas passaram a olhar mais de perto para esta teoria e vários estudos foram feitos. Os resultados mostraram que estávamos errados o tempo todo. “Dominância” O termo “dominância” foi amplamente utilizado para explicar o comportamento de cães domésticos. Este conceito sustentava a idéia de que os cães são fortemente motivados para estabelecer uma hierarquia entre eles e com as suas famílias de humanos. Com isso era comum ouvirmos que “nós humanos é que temos que ser os lideres”, “devemos submeter o cão a qualquer preço”, “onde tem vários cães haverá luta pelo poder e o mais dominante vai ganhar”. A implicação prática desta teoria da dominância é que: MÉTODOS ULTRAPASSADOS de treinamento reforçam que os donos devem submeter os cães, como por exemplo utilizando o alpha roller (técnica em que a pessoa vira o cão agressivo de barriga para cima e fica sobre ele até o cão sucumbir emocionalmente), não deixar que o cão passe primeiro pela porta e outras bobagens parecidas. Mas de onde surgiu a teoria da dominância? Aproximadamente na década de 70, cientistas começaram a observar o comportamento de lobos em cativeiro onde viram disputas acirradas pelo poder da matilha. Um se sobrepondo ao outro até o último submisso. Um processo hierárquico. Como os cães são descendentes dos lobos, eles relacionaram o mesmo comportamento para cães domésticos. Pesquisas de campo demonstraram o contrário Porém, pesquisas feitas em campo surpreendentemente não mostraram os mesmos comportamentos dos lobos em cativeiro. Os lobos na natureza possuem um comportamento cooperativo. Existe sim o casal principal que tomam as decisões de caça. Seus filhos mais velhos ajudam nas caçadas e no cuidado com seus irmãos mais novos. Não há disputas. O “patriarca” defende sua matilha de outros grupos de lobos invasores. Se um dos seus filhos quiser formar sua própria matilha, ele sai da matilha paterna, encontra uma parceira e forma uma nova família. Sem disputas. Sem traumas. Em cativeiro Concluíram que em cativeiro, os lobos eram forçados a ficar juntos, pois foram capturados aleatoriamente na natureza e obrigados a viverem em um espaço confinado. Sem ter para onde migrar, as disputas aconteciam. Mas, em uma casa? Mas em uma casa onde existem vários cães adotados não poderia acontecer a mesma coisa? Afinal, foram “forçados” a conviver uns com os outros. Neste caso, a enorme diferença evolutiva entre lobos e cães domésticos fala mais alto do que qualquer similaridade. É como nós humanos e os chimpanzés. Temos 99% dos genes em comum, mas aquele 1% faz toda a diferença… Então como funcionam os cães domésticos? Um processo de dominância pode existir entre dois cães em relação a um determinado recurso. Mas nunca existirá um cão que irá querer se sobrepor a todos os outros e aos seres humanos. Mas uma nova teoria veio iluminar nossas idéias. Ela aborda o RHP, do inglês Resource Holding Potencial, ou em português, o modelo do Potencial de Retenção de Recursos. Neste modelo Neste modelo sugerido pelo pesquisador John Bradshaw, (leiam o livro Cãosenso) sempre que surge um conflito entre dois cães, eles, de uma certa forma, “pensam” o seguinte: “Quanto eu quero este recurso (brinquedo, comida, etc)?” e “Qual é a probabilidade do outro cão vencer se eu lutar com ele?” Assim, antes de entrar numa disputa por algo, o cão avalia o quanto ele deseja este recurso e quais são as chances de sucesso, caso ele queira realmente ganhá-lo. Se o cão optar por lutar é porque ele avaliou que tem grandes chances de obtê-lo ou ao contrario, pode avaliar que a luta irá demandar muita energia e não valerá a pena. Um cão pode querer lutar por… Assim, podemos também afirmar que um cão pode querer lutar por um brinquedo (ser “dominante” em relação a ele) mas não dará a mínima pelo pote de comida ou outro objeto qualquer (sendo “submisso” em relação a ele). Cão “valente” Muito interessante também é observar quando um pequeno cão, todo valente, toma conta da casa, não permitindo que ninguém sente na sua poltrona preferida e nem toquem nos seus brinquedos. Este comportamento não tem nada a ver com dominância. Acontece que houve várias tentativas com mais acertos do que frustrações. Muito provavelmente é um cão que avalia muito bem o Potencial de Retenção de Recursos e aprendeu que vale à pena latir, brigar e morder pelas suas conquistas pois na maioria das vezes que o dono aproximou a mão do seu brinquedo, ele o mordeu, fazendo com que seu dono a retirasse imediatamente. Ponto para o cão. Comportamento reforçado. Antes de pensar que seu cão é o dominante da casa Antes de acreditar que seu cão é o dominante da casa, pense que ele é o indivíduo que avalia muito bem o potencial que tem em reter recursos. Nada é mais errôneo do que pensar que o cão vê sua família humana como sua matilha. O correto é pensarmos que nossa família e nossos cães formamos um grupo que deve ser coeso e cooperativo, havendo muita camaradagem e cumplicidade entre todos. Como humanos, temos que ser os líderes dos nossos cães domésticos? Pensar no ser humano como o “alfa” da matilha ou o líder da matilha é incorreto. Os cães formam sociedades com os seus tutores e suas famílias – então não tem matilha alguma para alguém liderar. Pensemos da seguinte maneira: Pais ensinam seus filhos o que é certo e errado. Se hoje em dia consideramos nossos cães como nossos filhos, por que pensar diferente? Como tutores, não precisamos sermos “líderes” ou “dominantes”. Devemos ensinar nossos cães desde filhote até a idade adulta as “boas maneiras caninas”, promovendo adestramento adequado, socialização em local e tempo adequado e observar o tempo todo suas necessidades, assim podemos entendê-los e melhorar nossa relação com eles. Cães são parte da nossa família, e devemos educá-los com dignidade, respeitando sua natureza. Afinal, eles nos dão tanto! O mínimo que podemos fazer por eles é ensinar os limites e dar o que eles precisam.]]>