BRASIL. Poucos temas estiveram tanto em voga nos últimos anos como a reforma tributária. Mais que um desejo político, a modificação do sistema tributário brasileiro é vista como fundamental para a reestruturação da economia nacional, a fim de proporcionar um novo ambiente de negócios no país. E as primeiras propostas, por parte do Governo Federal, foram entregues à Câmara dos Deputados, em Brasília, no último dia 21 de julho, pelo ministro da economia, Paulo Guedes, com a premissa de aprimorar a arrecadação de impostos e equilibrar o panorama fiscal. Pontos críticos
Entretanto, alguns pontos da reforma tem sido alvo de críticas de empresários, economistas e advogados tributaristas, sobretudo no tocante a unificação de dois impostos federais sobre bens e consumo, o PIS/Pasep e o Confins, num só tributo, o CBS (Contribuição Social Sobre Operações com Bens e Serviços), com alíquota única de 12% – dispondo como base de cálculo a receita bruta das empresas.
Segundo Diogo Pítsica, presidente da Associação dos Advogados Tributaristas de Santa Catarina (ATESC), a fusão dessas duas cobranças enfraqueceria injustamente a advocacia como integrante do setor de serviços, igualmente aos das áreas da educação, transporte aéreo, segurança privada, hotelaria, informática e telefonia, com aumento da carga tributária entre 5% e 7%.
Tal medida, segundo ele, impactaria negativamente na geração e conservação de empregos, visto que este segmento é responsável por 2/3 da população economicamente ativa no país, segundo dados do IBGE.
“É incompreensível iniciar a reforma tributária penalizando injustamente a advocacia e todos os prestadores de serviços de profissões regulamentadas, jamais causadores do déficit nacional mediante promessa futura à uma mera simplificação tributária”.
Acrescenta ainda o tributarista, que
“para os serviços o aumento da carga tributária, ao menos num primeiro momento, será compulsoriamente expressivo, mormente porque, sob tal modelo, não cumulativo, pouco, ou perto do nada, em matéria de creditamento, poder-se-á aproveitar, já que a folha de pagamento, por exemplo, não gerará segurança de crédito, majorando ainda a alíquota dos atuais 3,65% do regime cumulativo, para 12%, no novo regime não cumulativo, e ainda praticamente sem crédito”.
Tributação menor aos bancosNo mais, o texto sugere uma tributação menor aos bancos, na ordem de 5,8%, e a manutenção da isenção aos partidos políticos, templos religiosos, sindicatos, entidades de classe, serviços sociais autônomos e organizações que cumprem alguma assistência social.
As desobrigações à nova regra contemplariam também as receitas de prestação de serviços do transporte público de passageiros na esfera municipal, valendo para os segmentos rodoviário, ferroviário, metroviário e aquaviário, tal como para a Zona Franca de Manaus, com simplificação de regras e procedimentos, além de itens da cesta básica.
“Embora não se possa concordar que a reforma tributária seja segregada, sem uma mudança unidirecional, estrutural e sistêmica, muito menos que implique em majoração de tributos, como essa apresentada, não se pode perder de vista que há previsão clara de tratamento anti-isonômico, privilegiando, como de costume, instituições financeiras, por exemplo”, explica o advogado tributarista.
Novas alterações a caminho
Após a entrega do primeiro documento, o Projeto de Lei nº. 3.887, a equipe do ministro Paulo Guedes sinalizou mudanças em outros tributos, como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e uma nova proposta para a tributação de dividendos, para ao final, desonerar às folhas de pagamentos.
Outra medida em estudo para a criação da CBS é o tratamento diferenciado para algumas atividades, como serviços, construção civil e transporte urbano.
Essa agenda deve ser apresentada num segundo momento, que projeta também a criação de um novo tributo sobre pagamentos eletrônicos e vendas pela internet.
“O que nos deixa insatisfeito é que esse tímido ponta pé inicial ofusca propositadamente assuntos maiores, para inaugurar a denominada reforma tributária, com a epidérmica unificação do PIS e da Cofins. Ocorre que esses dois tributos, alienígenas ao texto originário da Constituição Federal de 1988, sequer deveriam existir e, muito menos, por eles se iniciar, para ainda conjugá-los com formidável e inimaginável aumento da carga diretamente à União, quando Estados e Municípios vociferam momentos praticamente falimentares”, afirma Pítsica.
Consequências à Advocacia
A reformulação tributária, impactará com aumento na carga tributária diretamente aos escritórios de advocacia no país, como informa Pítsica, reconhecido como um dos principais nomes do direito tributário em Santa Catarina.
“Inegável que esse fatiamento, ainda que imbuído de bons propósitos, tais como, desoneração das folhas de pagamento e simplificação, já elegeu o segmento que irá custear essa mudança de perfil. E, está claro que será o setor de serviços no primeiro momento nele incluído à operativa classe da advocacia. Aguardava-se ansiosamente um imposto de base ampla em que todos tenham o mesmo ônus e conjugando-se agregação de valores e a almejada simplificação. O início, ao menos à democrática classe da advocacia, foi frustrante”.
Isto porque afeta diretamente os contribuintes das profissões regulamentadas reunidos em sociedades empresariais como ocorre, por exemplo, com os advogados, médicos, dentistas, consultores, engenheiros, arquitetos, contadores.
Para muitos que criticam esse modelo, um dos fatores é que o aumento de tributos indiretos prejudica a relação existente entre prestador de serviço e consumidor final, visto que dificulta a tendência na redução de preços de serviços, sem considerar a possibilidade de vir a encarecer, gerando uma perspectiva de diminuição do consumo e contratação de serviços.
Outras propostas
A reforma recomendada por Guedes tramitará conjuntamente com outros dois projetos apresentados no último ano e em progresso na Câmara (PEC 45) e no Senado (PEC 110). Consideradas similares, essas intenções sinalizam a criação do IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços), com alíquota única e com a recíproca da unificação de tributos. Segundo Rodrigo Maia, atual presidente do Congresso, essas duas propostas continuarão em debate nas duas casas.
Em síntese, o texto da Câmara (PEC 45/2019) abrange 5 tributos substituídos por um que incidiria sobre o consumo e seria cobrado no destino. Já a proposta do Senado (PEC 110/2019) compreende 9 tributos substituídos por um único imposto sobre bens e serviços.
O que muda para o setor de serviços?
Com a proposta do governo, a substituição do PIS e COFINS pelo CBS, as alíquotas subirão entre 11 e 12% no total.
Para se ter uma ideia da mudança, atualmente, as empresas prestadoras de serviços enquadradas no regime tributário de Lucro Real pagam até 5% de ISS e 9,25% de PIS e Cofins, enquanto as enquadradas no Lucro Presumido pagam 3,65% de PIS/Cofins mais os 5% de ISS — as empresas optantes pelo Simples Nacional não serão afetadas pelas propostas apresentadas, até o momento.
Então, se esse novo imposto for instituído tal como sugerido pelo Governo, quem paga 5% irá desembolsar algo estimado entre 11% e 12%, considerando eventual crédito.
Sendo consenso entre os empresários, a meta de simplificação da cobrança, e não o aumento da carga tributária (que já é alta), reverbera entre as entidades da categoria que tem se reunido e promovido discussões sobre o tema. Os frutos desses encontros, são apresentados ao Governo na tentativa de negociar outras possibilidades.
Assim, uma das recomendações apresentadas em março de 2020 foi a de estabelecer três faixas de alíquotas para as empresas de serviços, substituindo a cobrança única, visivelmente abusiva:
Faixa 1 — alíquota de 6%: empresas que pagam hoje o PIS/COFINS pelo modelo de cobrança cumulativo (alíquota atual de 3,65%), enquadradas no lucro presumido e lucro real em setores como saúde, educação, telecomunicações e construção;
Faixa 2 — alíquota de 11%: empresas de lucro real que pagam pelo sistema não cumulativo (alíquota atual de 9,25%) e com tributação concentrada do ISS;
Faixa 3 — alíquota de 11% a 12%: empresas que estão no sistema não cumulativo e pagam ICMS.
Com isso, o aumento ocorrerá, mas com temperamentos. Inúmeras outras lutas vêm sendo traçadas pelas categorias profissionais tais como, estabelecimentos de créditos presumidos, isonomia aos prestadores de serviço através do regime proposto aos bancos e empresas de plano de saúde, ou até mesmo alíquotas diferenciadas.
Alternativa
Entidades das profissões regulamentadas e dos setores de serviço vem se posicionando contra esse inicial aumento aos seus representados. Voz corrente é o alinhamento por uma reforma tributária com vista a um sistema menos complexo, oneroso e burocratizado.
Contudo, esse aumento inicial causou discordâncias e dúvidas sobre a igualdade de tratamentos, como alerta o presidente da Associação dos Advogados Tributaristas de Santa Catarina (ATESC).
“No mínimo, espera-se do parlamento federal, uma proposta reducionista buscando enfrentar o discrepante e anti-isonômico tratamento conferido às instituições financeiras e planos de saúde, beneficiárias da inexplicável alíquota de 5,8%. Ou, quando menos, a possibilidade de opção pelo regime de apuração não cumulativa, estendendo o crédito presumido às receitas das profissões regulamentadas (artigos. 24, 28 e 30 do projeto de lei), a fim de procurar equilibrar a tributação; evitando majoração excessiva e afastando subjetivismo de direito ao crédito financeiro, que historicamente é objeto de batalhas judiciais interpretativas.”
E, por fim, acrescenta Pítsica:
“Em verdade, o que se pretende é a equiparação da classe da advocacia (e assim, das demais profissões regulamentadas), cujo tratamento foi desprestigiado pelo Poder Executivo, às atividades econômicas similares já previstas na proposta originária, também integrantes do setor de prestação de serviços.”